
Almeida & Dale - Ponto de Mutação
curadoria Antonio Gonçalves Filho
Anna Paes, Guilherme Gallé, Maria Luiza Toral, Marina Rodrigues, Rafael Kamada, Thales Pomb
No início da década de 1980, o físico e ambientalista austríaco Fritjof Capra (1939) lançou um livro de grande impacto que fazia convergir o pensamento científico, a espiritualidade e a filosofia. Nele, Capra anunciava uma era de novas possibilidades para o planeta em crise. A coletiva Ponto de Mutação presta uma justa homenagem ao visionário, que já discutia, há 40 anos, essa intersecção de disciplinas para manter viva a cultura humanista num cenário de distópico transumanismo.
Seis nomes nesta exposição rompem com os velhos paradigmas para anunciar uma nova arte, resistente à padronização e sintonizada com o modelo holístico sugerido por Capra (vale lembrar, em harmonia com as leis naturais e com um modelo de transição cultural ampla e harmônica).
Três artistas de Ponto de Mutação são mulheres. Suas obras parecem, de fato, alinhadas com o citado modelo de Capra, de ver o todo indissociável dos fragmentos que o constituem. No livro, o físico condena o credo mecanicista cartesiano e sugere como alternativa a valorização da comunidade e do papel feminino na construção de uma nova sociedade.
Anna Paes, por exemplo, foi buscar inspiração no método arqueológico para refletir sobre o atrito entre pulsão e história. Ao replicar a escrita arcaica em objetos feitos com polpa de papel artesanal, ela trabalha no limite entre o abstrato e o simbólico. O ápice dessa investigação está na instalação Círculo Solar Neolítico, um políptico que, na mostra, dialoga com as outras peças da série Vestígios Arqueológicos.
Já Maria Luiza Toral segue em direção contrária, ao usar resíduos do mundo tecnológico. Com o refugo eletrônico da sociedade contemporânea, ela constrói uma obra feita de chapas de acrílico, filmes polarizadores e vidro temperado, reorganizando peças para criar obras de arte com o material descartado naruas da metrópole.
Marina Rodrigues usa, igualmente, materiais reciclados (chapas de metal oxidado associadas a peças de concreto), oscilando entre o legado construtivista do século passado e a geometria quântica dos novos tempos, na busca de entendimento da natureza da matéria.
Os três pintores presentes em Ponto de Mutação são reverentes mas não submissos à tradição: Guilherme Gallé, Rafael Kamada e Thales Pomb. Suas telas anunciam novos caminhos para a ciência da pintura, tantas vezes descrita como agonizante.
Gallé trabalha a tela cindida entre a representação e a abstração, sugerindo a estrutura de paisagens como as de Lore Koch (em especial seus píeres abandonados) e as praias de Nicholas de Staël.
Kamada traz consigo traços do subjetivismo pós-impressionista, aliado a uma percepção oriental do espaço. O artista se aproxima da física quântica quando representa a passagem do tempo como ilusão e adere à unificação das três dimensões na tela.Pomb tem uma estreita ligação com a literatura.
Uma das telas da exposição (Os Flocos de Neve, 2025) foi inspirada pela leitura de Atos Humanos, da sul-coreana Han Kang (Nobel de 2024). Ele não faz arte retórica nem ilustra: expõe na referida tela a nossa crise de percepção e a morte da empatia, que está empurrando a cultura humanista para o precipício. - Antonio Gonçalves Filho
05.jul - 09.ago.2025
R Fradique Coutinho, 1430
São Paulo, Brasil.